Abayomi: as histórias por trás da boneca de pano

Abayomi vem do iorubá, um povo com raízes no sudoeste da África, onde, hoje, ficam a Nigéria e parte do Benin. Ela é a união de abay = encontro e omi = precioso, mas a palavra tem outros significados possíveis. Pode ser entendida como “aquele que traz felicidade ou alegria” ou “meu presente”. O nome remete a uma boneca preta de tecido, feita com nós que formam as mãos, os pés e a cabeça. Elas podem medir entre dois centímetros e um metro e meio e sua origem é muito discutida.

O passado distante das Abayomis

Muito se disseminou que as mulheres sequestradas no continente africano para serem escravizadas no Brasil rasgavam retalhos de suas roupas e confeccionavam pequenas bonecas nos porões dos tumbeiros, como eram chamados os navios que faziam o transporte entre os dois lugares. A razão de fazê-las, no entanto, não é um consenso.

Uma versão defende que as mães faziam os pequenos objetos para distrair seus filhos pequenos, que ficavam inquietos durante as longas viagens. Uma segunda narrativa diz que eram presentes aos filhos, de quem seriam separadas na chegada aos portos brasileiros. O tipo do tecido e da estampa indicavam a região de onde haviam saído, o que auxiliaria os filhos a encontrá-las novamente. Outra história conta que as bonecas serviam como amuleto de proteção durante as viagens e a nova vida do outro lado do oceano. Sua feitura não teria se limitado aos navios, continuando nas senzalas.

A ausência de marcações faciais – olhos, nariz e boca – teria a intenção de não privilegiar uma ou outra etnia, representando a coletividade dos povos que, sem distinção, eram escravizados pelos colonizadores. As Abayomis seriam, então, um símbolo da resiliência dos povos negros, de proteção e, acima de tudo, do amor de mãe.

A história, no entanto, não é bem assim. Não há qualquer registro histórico que associem as bonecas ao período colonial.

Uma versão mais recente

Em 1987, Lena Martins, artesã maranhense radicada no Rio de Janeiro, trabalhava como animadora cultural em um projeto no Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) Luiz Carlos Prestes, na Cidade de Deus. À época, ela confeccionava bonecas de palha de milho e de algodão com retalhos de tecido. Movida pela aproximação com o movimento ecológico, ela intencionava a conscientização por meio do reaproveitamento de materiais que se tem em casa e das sobras de tecidos das fábricas e confecções.

Diversos outros movimentos sociais – o movimento negro e o feminismo – também conquistavam espaço. Às vésperas dos 100 anos da Abolição da Escravatura, uma marcha que paralisou a cidade era organizada e o 1o Encontro Nacional de Mulheres Negras, que aconteceu em Valença no ano seguinte, tomava forma. A arte educadora, tentando se entender negra e atuando junto à Secretaria de Cultura, acompanhava as discussões empreendidas ali e vivia intensamente todas as transformações. Como uma reação natural a essa atmosfera, seu trabalho foi tomando novas formas, mais atrelado às questões sociais.

Ela ministrava diversas oficinas de artesanato, que serviam de ponte entre a comunidade escolar e a comunidade externa. Antes de um desses eventos, produziu uma boneca amontoando retalhos de tecido e fazendo nós nas extremidades. Naquele dia, ensinou a técnica e, desde então, suas oficinas passaram a ter um tema: as bonecas sem cola e sem costura. O nome veio só depois. Ana Gomes, uma amiga do Movimento Negro que integrou os primeiros grupos de Abayomis, estava grávida e tinha duas opções para o bebê. Abebe, em homenagem ao primeiro negro africano a ganhar uma medalha de ouro em Jogos Olímpicos, e Abayomi, se fosse menina. Nasceu um menino, do qual Lena é madrinha. O nome feminino tornou-se, assim, o da boneca.

Ao longo dos anos, diversos grupos que trabalham na confecção das bonecas surgiram no Brasil e no exterior e elas adquiriram importância na luta contra o racismo. Sempre produzidas a partir de uma visão positiva, podendo encarnar diversas profissões – até presidente da república –, seus significados são o de reconhecimento de si e o de pertencimento, sobretudo para as crianças negras, que aprendem brincando que podem querer ser qualquer coisa.

A que serve a lenda em torno da boneca

Tanto para Lena, quanto para historiadores diaspóricos, atrelar as Abayomis ao período colonial e aos navios negreiros se deve ao racismo. O movimento de afastá-las do contexto contemporâneo serviria para diminuir o caráter positivo e ligar, conforme costuma ocorrer, a cultura e os indivíduos negros a uma ideia de passividade, a um ambiente ruim, a tudo que é negativo e degradante.

De outro lado, também romantiza os acontecimentos da diáspora africana, à medida que cria uma situação quase positiva para aqueles tempos. As estórias inventadas de mães que constroem brinquedos para seus filhos e filhos que se divertem a caminho de um novo mundo diminuem a culpa e mascaram a responsabilidade pelo que, de fato, aconteceu. O cenário, sabe- se, era de barbárie e as embarcações se chamavam tumbeiros não à toa. Milhões de homens, mulheres e crianças entraram a bordo, mas muitos nunca pisaram em terra firme novamente.

Por último, denota o racismo ainda encarnado em nossos dias. A perpetuação do mito que transforma um elemento da cultura em objeto de autoria desconhecida invisibiliza sua autora, uma mulher negra ainda viva que tem seu trabalho de uma vida inteira desconsiderado. Serve, também, para diminuir o poder simbólico de uma criação nascida em contexto de luta por direitos e que,

contra todas as adversidades, sobreviveu aos anos, ampliou seu alcance e chega a espaços mundo afora, contribuindo para mudanças de pensamento e de vivências.

ARTIGO ESCRITO POR ANTONIETA CAMPOS.

Dia da Mulher: qual a origem e como as mulheres negras tiveram voz

No dia 8 de março se comemora o Dia Internacional das Mulheres. A data tem origem oficial no movimento operário na primeira década dos anos 1900, mas, como toda grande transformação, as sementes foram plantadas pelas sufragistas ainda no século XIX. Em 1884, Susan B. Anthony, sufragista estadunidense, solicitou uma emenda à Constituição dos Estados Unidos que garantisse às mulheres o direito ao voto. A emenda que permitiu o voto universal veio em 1920, 13 anos depois de sua morte e concomitante a outras conquistas feministas.

Em 1908, o Dia da Mulheres foi marcado pela marcha de alguns milhares de mulheres, que ocuparam as ruas de Nova York. Elas exigiam redução das jornadas de trabalho e salários melhores. Além disso, queriam tomar parte nas decisões políticas do país: lutavam pelo direito ao voto, ainda exclusivo aos homens. Um ano depois, o ato se repetiu, ainda sem indícios de que seria perpetuado. Em 26 de agosto de 1910, durante a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, em Copenhague, Clara Zetkin, uma ativista marxista e feminista alemã, propôs tornar a data internacional e anual. A ideia era fazer, do evento, palco de manifestações pelo direito de voto das mulheres, pela igualdade entre os sexos e pelos ideais de esquerda.

O primeiro Dia Internacional da Mulher foi comemorado em 19 de março de 1911 na Alemanha, Áustria, Dinamarca e Suíça e, a princípio, não tinha um dia fixo – a data usada hoje surgiu apenas posteriormente. Em 23 de fevereiro de 1917 do calendário juliano, usado na Rússia da época, oito de março do gregoriano, um grupo de operárias protestou nas ruas de São Petersburgo contra a fome e a Primeira Guerra Mundial, no que ficou conhecido como “Pão e Paz”. Poucos dias depois, o czar Nicolau II foi forçado a abdicar e o governo provisório concedeu às mulheres o direito ao voto.

Com a conquista, instituiu-se a data do protesto russo como o dia oficial das celebrações da luta feminina. A ONU, no entanto, só oficializou o Dia Internacional das Mulheres em 1975, mais de 50 anos depois.

As mulheres no front

            A história do feminismo coloca mulheres brancas no centro, como aquelas que puxaram as companheiras consigo e garantiram os primeiros direitos. De fato, os principais nomes, os mais lembrados, são de senhoras aristocratas que, muitas vezes abolicionistas, como a própria Susan B. Anthony, lutaram por direitos iguais sem, no entanto, deixar de impedir que mulheres negras encontrassem espaço para compor as ligas femininas.

            Mesmo assim, elas não se abstiveram. Somando 20% do contingente de mulheres que integravam a força de trabalho dos Estados Unidos na primeira década do século XX, elas tinham as próprias questões a defender. Não só tinham a restrição de sexo, mas de classe e de cor. Suas razoes para defender o voto universal eram triplas.

            Diversos são os nomes de trabalhadoras negras que nunca foram aceitas pela Associação Nacional das Mulheres pelo Sufrágio Feminino. As recusas às candidaturas se explicavam pelo suposto receio de que, ao aceitarem associações inteiras de mulheres negras, as sufragistas do sul americano, defensoras da escravidão, se opusessem ao movimento e dificultassem a conquista do voto universal. As barreiras, no entanto, não pararam essas mulheres de apoiar com tudo que lhes estivesse ao alcance a luta pela participação feminina na política. Conheça três mulheres negras que contribuíram com as lutas femininas do início do século XX:

da B. Wells nasceu como escrava no Mississipi, foi jornalista e editora do Free Speech and Headlight, sufragista, feminista e socióloga. Encabeçou uma campanha anti-linchamento depois que seu amigo Thomas Moss, um comerciante bem-sucedido, foram assassinado por concorrentes brancos.  Também foi uma das fundadoras da Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP) em 1909, contribuindo para o movimento dos direitos civis. Ao longo da vida, integrou o Partido Republicano, onde teve forte atuação política, mas, descontente com a postura de ambas as frentes políticas, no fim da vida concorreu de forma independente à câmara de Illinois.
Mary Eliza Church Terrell foi a primeira mulher negra a ser nomeada para o conselho escolar de uma grande cidade, o Distrito de Columbia. Juntou-se a Ida B. Wells em campanhas anti-linchamento depois da morte de Moss. Em sua carreira como ativista, fundou a NAACP e a Liga das Mulheres de Cor de Washington. Também participou da fundação da Associação Nacional das Mulheres de Cor, sendo sua primeira presidente, onde trabalhou pelo sufrágio feminino e o sufrágio negro. Com esse objetivo, fez campanha entre as organizações negras e as principais organizações brancas.
Mary Jane McLeod Bethune foi uma educadora, filantropa e ativista dos direitos civis. Defendia a igualdade racial e de gênero, fundou diversas instituições, incluindo uma escola particular para afro-americanos, que transformou em faculdade. Liderou campanhas de registro de eleitores depois que as mulheres ganharam o direito de voto e participou da transição dos eleitores negros do Partido Republicano para o Democrata durante a Grande Depressão. Foi presidente da Associação Nacional dos Clubes de Mulheres de Cor e presidente fundadora do Conselho Nacional das Mulheres Negras. Também foi a afro-americana com o mais alto cargo no governo americano, como diretora de Assuntos Negros para o presidente Roosevelt.

 Artigo escrito por Antonieta Campos – Psicóloga e mestra em psicologia clínica pela PUC-SP, pesquisa sobre literatura e saúde mental da Mulheres