A importância das máscaras africanas na espiritualidade, arte e política

Como expressão artística de vários povos africanos, as máscaras possuem múltiplos significados em diferentes contextos.

Por Flávia Leal

As máscaras africanas simbolizam a diversidade de manifestações culturais em muitos povos do continente. São usadas em rituais de iniciação ou passagem, cerimônias religiosas, funerais, entre outros eventos de vital importância para essas sociedades. Elas estão no epicentro da identificação dos povos com seus antepassados e suas tradições, possuindo significados que ultrapassam a fronteira de seu valor estético. Neste artigo, irei analisar brevemente três esferas – que se complementam, é bom enfatizar – as quais procuram interpretar os conceitos e sentidos dos usos das máscaras, são elas: espiritual, teatral e política.

Segundo Joseph Campbell¹, as máscaras precisam ser percebidas a partir de seus valores míticos, dentro da lógica de um mundo que se torna mágico pela arte, saindo de uma perspectiva secular para a do “faz de conta” – é a lógica do encantamento e da criatividade. Para esta finalidade, podemos parafrasear o romancista alemão Thomas Mann quando define o mito como o princípio da vida, sendo a “fórmula sagrada para a qual a vida flui quando esta projeta suas feições para fora do inconsciente”.² Nesse mundo mágico ou fantástico, no sentido mais relevante que o termo foi usado pela literatura, o portador da máscara em um ritual não apenas representa deus, ele é, para os seus semelhantes, o próprio deus. Ele transcende, assim, sua própria identidade e se transforma em um ser espiritual poderoso.³

É interessante constatar que o uso das máscaras em cerimônias possui diferentes significados para as diferentes sociedades africanas. Para o povo Bwa (Burkina Faso), elas aparecem principalmente durante funerais e representam o meio de contato com espíritos que moram no mundo natural (muitas vezes tendo forma de insetos ou aves) e que oferecem proteção para aqueles que os procuram. Já para os Dogon (Mali), as máscaras são utilizadas em rituais de dança e estão relacionadas ao mito de criação do próprio povo, fazendo referência a Nommo (filho de Deus), responsável por guiar os oito ancestrais do céu para povoar a terra.O rosto formado por traços geométricos representa o deus criador; além deste, há também as máscaras figurativas antropomórficas – mostrando as diferentes categorias da sociedade – e zoomórficas, as quais celebram a relação entre os animais e os homens, fazendo referência à origem caçadora dos Dogon.

Veja no vídeo acima o uso das máscaras em um ritual Dogon.

De acordo com a perspectiva da mitologia comparativa, um elemento em comum entre as diferentes religiões africanas é a crença em um Deus criador e a necessidade de intermediários para o contato com esta divindade suprema. Esses espíritos, que podem ser também de ancestrais, intercedem a favor do bem estar da comunidade. As máscaras, portanto, são usadas como veículo de comunicação espiritual.

Rituais de passagem

Em muitas sociedades africanas a vida é dividida em diferentes ciclos – nascimento, passagem para a idade adulta e morte –, sendo que essas transições são marcadas por rituais que determinam para a comunidade a ida de uma etapa para a outra. Nesses momentos, os indivíduos estão particularmente vulneráveis às forças espirituais. Durante a iniciação dos jovens – preparação para a vida adulta – seus tutores usam máscaras que simbolizam uma aparência severa, com o objetivo de mostrarem autoridade e educá-los para seus futuros papeis sociais dentro da comunidade.

Foli

Outra característica da lógica do “faz de conta”, ainda segundo Campbell, é de que as coisas são aceitas pelo que são enquanto vivenciadas, isto é, podemos pensar essa passagem para um mundo mágico por meio de uma ótica teatral, da representatividade. Para isso, como bem analisou o historiador Johan Huizinga6, é necessário que a realidade seja percebida pela esfera do jogo, da brincadeira, da diversão. É a passagem do Homo sapiens, secular, objetivo, racional, para o Homo ludens, que joga e brinca e é espontâneo.

Indico ao leitor esse vídeo, que mostra o significado da dança e do ritmo para o povo Malinke de Boro (Guiné).

Máscaras e política

Por fim, não podemos esquecer a relação que existe entre arte e política. Em muitas sociedades africanas, os líderes, os chefes das comunidades, também conhecidos como régulos, têm importantes papeis no controle artístico. Em muitas cerimônias, a arte é utilizada para legitimar a autoridade política. No caso das máscaras, a partir desse viés, elas são usadas como agentes de controle social e de educação, como já foi explicado acima sobre os rituais de iniciação, com o objetivo de manter a ordem e o bem estar da comunidade.

Influência 

A partir desse breve panorama, é possível perceber a complexidade da expressão artística das máscaras africanas. Não é à toa, portanto, que elas influenciaram grandes nomes das artes plásticas, entre eles Pablo Picasso, Henri Matisse, André Derain e o escultor Jacob Epstein, sendo ainda hoje emblemáticas e pouco conhecidas. Para quem ficou interessado no assunto, esta influência da arte africana nos movimentos de vanguarda europeia será abordada em meu próximo texto.

Referências

¹ CAMPBELL, Joseph. As máscaras de Deus: mitologia primitiva. São Paulo: Palas Athena, 2010.

² MANN, Thomas. Freud and the Future. Life and Letters Today, vol. 15, n°5, 1936, p.89.

³ CLARKE, Christa. The Art of Africa: A Resource for Educators. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2006.

HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 2008.

Texto original em:

https://grupoafricanidade.wordpress.com